Exposição Esta rua é minha | Galpão 72 (2007)

Galpão 72

O GALPÃO 72, situava na comunidade Verde, bairro do Jaraguá, zona portuária de Maceió e  entre os anos de 2005/2009,  foi o  atelier-galeria das artistas visuais Ddaniela Aguilar e Vera Gamma.

Paralela às obras de adequação e  restauração do Galpão, se percebeu a necessidade de ajudar a comunidade pertencente ao entorno. A priori, em um contexto apenas estético, porém, foi observada a incidência de um grande número de crianças, surgindo então o desejo de realizar um projeto onde para elas se tornasse possível um  dinâmico convívio com obras de arte contemporânea e o contato direto com várias técnicas gerando assim novas possibilidades de aprimoramento dos sentidos e educando para o olhar diferenciado. Surgiu então o  Projeto “Esta Rua é Minha”, como  proposta de arte-educação especificamente direcionada as crianças desta comunidade. O artista visual Rogério Gomes integrou-se mediante parceria, somando esforços no sentido de aperfeiçoar-lo.

Quando da finalização do GALPÃO 72, todo o processo do aprendizado e a experiência concreta foram apresentadas  em  um livro-catálogo e uma exposição de finalização realizada em 2010 na Pinacoteca Ufal, Maceio-AL.

Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar

 

Todas as ruas da cidade

 

“Toda arte é uma revolta contra o destino do Homem.”
André Malraux

 

*Marcus de Lontra Costa

No início, há somente o silêncio dos grandes espaços. A presença do ser humano ocupa o terreno e a ação artística estrutura e identifica o cenário da vida. O mundo é a medida do homem, de suas realizações, de seus sonhos. Essa é a busca, esse é o caminho do ser humano em sua sina de garimpeiro.

Para que esse mundo possa ser compreendido em seu sentido integral, para que ele tenha rumo, é preciso que ele seja seccionado, que seus espaços sejam repartidos; é preciso que as formas povoem seu território e venham a criar, assim, sentido e identidade. Na invenção do mundo criado pelo homem é preciso dividir, organizar e, depois, entender.

Portanto, para o “entendimento” ser levado a bom tempo é preciso articular relações com o mundo real. Nessa equação emocionada entre o projeto e a construção, entre o sonho e o fato concreto, o homem cria “coisas” a partir de “coisas” naturais. Esse é o universo da criação artística, assim ela opera. “Para se criar uma paisagem, o artista deve, antes de tudo, matar a paisagem anterior.” (1)

Eis então a premissa da criação artística, o seu berço e a sua essência. O tempo e o espaço se articulam numa poética peculiar e com ela o homem povoa o seu território de lembranças, experiências, descobertas, inventos, conquistas. O pensamento humano é, portanto e antes de tudo, uma cidade invisível, envolta na bruma. Cabe à ação artística dar forma e sentido a esse vazio, encher de ruídos esse silêncio, estruturar e tornar visível essa ideia, fazer do mundo a extensão do seu pensamento: local da ação. “O Tejo não é maior do que o rio da minha aldeia.” (2)

“Esta rua é minha” traz ao público três realidades específicas, três experiências artísticas distintas, três cidades, três maneiras diferenciadas de se abordar um mesmo mundo, uma mesma questão. Esse é o caminho do invento, esse é o artista em seu destino de garimpeiro, a caminhar pelo mundo buscando encontrar aquilo que jamais perdeu. “Cantando espalharei por toda a parte/Se a tanto não me faltar engenho e arte.” (3)

O possessivo do título deve ser compreendido em seu sentido mais amplo, de pertencimento e ocupação de mundo. A rua é minha, todas as ruas da cidade, a cidade é nossa, ela é local da festa, da troca, da comunicação. Ela é, em essência, a grande catedral das ações do ser humano e seu grupo, sua espécie, sua gente, seus pares. Essa é a proposta dessas cidades inventadas e concretizadas por Vera Gamma, Rogério Gomes e Ddaniela Aguilar. Desvendá-las, enfrentar o permanente mito da Esfinge, “Decifra-me ou te devoro”, eis o desafio. Superar a mera contemplação passiva e envolver-se na experimentação,

acreditar na força subversiva da Beleza, olhar e sentir o mundo em suas várias angulações, perceber que descobrir alguma coisa nova no mundo é, também, descobrir alguma coisa em nós mesmos. Toda criação artística é um convite, um barco, uma viagem. “Navegar é preciso, viver não é preciso.” (4)

O mundo, em Vera Gamma, é essencialmente novo, natural. Ele parece ter acabado de nascer, e suas formas surgem como elementos poéticos de povoamento e ocupação. “Crescei e multiplicai.” Por isso seus elementos formais aludem ao mar – início de todas as coisas vivas sobre a terra – ou ao céu – local dos nossos olhares, de nossas incertezas, de nossos medos e de nossas esperanças. Essas suas arquiteturas essencialmente orgânicas, niemeyerianas, são poesias de cores e de formas e elaboram uma cidade de festa e de encantamento. Tudo, aqui, conspira pela Beleza.

Em Rogério Gomes, a cidade é estrutura, ocupação de espaços, organização, cálculo e método. A cidade é um grande mapa, ela se organiza através de um olhar urbanístico, uma malha que se estrutura regida pela clareza da ideia e pelo encantamento de seu ritmo peculiar. Dominando com maestria seus meios expressivos, o artista constrói um sentido poético de forte impacto visual e clareza conceitual no qual cada elemento de seu jogo de armar – e amar – contribui de maneira definitiva para a construção de uma totalidade sempre densa e poderosa. Tudo, aqui, conspira pela Verdade.

Para Ddaniela Aguilar, o mundo é a construção de um território a partir de algo que se perdeu, civilização abandonada que se reconstrói através de fragmentos, resíduos, lembranças. A cidade se elabora a partir do sonho, a partir de desejos, amores, energias, sentimentos que povoam o espaço, que rompem os limites, que inundam e irrigam a terra e todos os pensamentos do ser humano. Esses são os elementos, engrenagens, almofadas, grafias e gravados, essa é a matéria com a qual a artista elabora o seu discurso, seus ritos, seus sonhos, seu mundo. Tudo, aqui, conspira pelo Mistério.

(1) Herbert Read
(2) Fernando Pessoa
(3) Luiz de Camões
(4) Fernando Pessoa
*Marcus de Lontra Costa – curador. Maceió, Novembro de  2007
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar
Galpão 72 | Obra de Ddaniela Aguilar
Galpão 72 | Com obras de Ddaniela Aguilar | Foto: Acervo de DDaniela Aguilar

Projeto Esta Rua é Minha

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Esta Rua É Minha, Esta Rua É Nossa

*Dra. Ana Cristina Carvalho

A arte como instrumento capaz de estabelecer diálogo entre artistas e comunidade, foi  desenvolvida através de módulos experimentais bem sucedidos  pelo Galpão 72,  situado na comunidade denominada “Verde”, no bairro de Jaraguá, zona portuária de Maceió, de julho 2005 a 2009.

As primeiras ações foram a otimização das condições urbanas tais como: pintura das casas, melhoria de iluminação, preocupação com a coleta do lixo e medidas de segurança, principalmente por tratar-se de uma coletividade onde persistem casas de prostituição  geminadas a casas de família de baixa renda.

Um segundo passo foi cadastrar as crianças que habitam a comunidade e seu entorno, perfazendo um total oscilante entre 100 a  120 indivíduos , visando a realização de um trabalho para fomentar a inclusão social por meio do desenvolvimento da sensibilidade do convívio coletivo, tendo a arte como meio de reflexão sobre as possibilidades do cidadão vir a ser protagonista de sua própria vida.

O foco fundamental foi a  arte-educação, contemplando um processo gradual de aprendizagem que fortaleça a construção da personalidade e do intelecto da criança visando a democracia  cultural, e, também, conhecimentos no sentido de enriquecer as obras dos artistas em constante processo de transformação.

Além das classes/oficinas semanais, foram realizados  eventos especiais relativos a datas cívicas, religiosas e tradicionais, excursões orientadas para teatros, cinemas, concertos de música e exposições, sedimentando a participação da comunidade na fruição de ações culturais relevantes.

Paralelamente foram  incrementadas atividades para as famílias das crianças como estratégica  de melhoria de vida tais como : a parceria com empresas na fabricação de embalagens realizadas a partir de plástico pós-consumo; apoio psicológico para as mães das 100 crianças envolvidas no projeto ,  a parceria com a instituições de ensino, com apoio psicopedagógico a crianças com dificuldades em aprendizagem no ensino fundamental e interação entre Comunidade  do Verde – sociedade de Maceió e artistas responsáveis pelo presente projeto, na Exposição realizada em novembro de 2007 no Galpão 72 – Maceió e em São Paulo, no Palácio dos Bandeirantes, em março de 2008 , com apresentação de vídeo relativo ao projeto demonstrando a participação e o desenvolvimento ativo das crianças.

O trabalho dos artistas consubstanciou-se numa troca de atitudes e olhares críticos entre o movimento contínuo da comunidade e o ato reflexivo da obra a ser executada, fato que foi apresentado em duas Exposições realizada em novembro de 2009 e Julho de 2012, na Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas, encerrando assim, o Galpão 72,  o projeto ESTA RUA É MINHA  e abrindo possibilidades para a nova configuração ESSA RUA É NOSSA.

O encerramento do projeto deve-se a circunstâncias alheias a vontade específica dos responsáveis pelo Projeto. A estrutura física do Galpão 72 encontrava-se comprometida  e sua restauração requeria valores impossíveis de serem assumidos pelos Artistas. Por outro lado, não foi possível encontrar colaboradores dispostos a contribuírem.

A publicação do catálogo registrou a análise avaliativa do projeto Esta rua é Minha , tendo em vista :

  1. Refletir sobre a análise das atividades desenvolvidas, no sentido de registrar mudanças operadas em conceitos artísticos a partir de atividades interferenciais com a sociedade inclusiva;
  2. Registrar graficamente os resultados da pesquisa que integra a proposta dos artistas a vida cotidiana na Comunidade do Verde;
  3. Registrar com imagens o processo e o resultado na construção das obras dos artistas e dos atores envolvidos neste projeto;
  4. Compartilhar com outros projetos congêneres atuando como livro-referência.
  5. Revigorar a atitude “cidadão-consciente” na Comunidade do Verde;
  6. Motivar outros colaboradores a participar ativamente de projetos semelhantes.
 * Curadora da Exposição a Dra. Ana Cristina Carvalho – Diretora do Acervo Artístico do Governo do Estado de São Paulo, membro da ABCA e da ABCI, curadora convidada MAC/SP e professora USP/SP.

Exposição “Essa Rua é Nossa”

Pinacoteca da UFAL | Maceió  (2009)

 

Esta Rua é Minha” constituia-se um programa visando fomentar a inclusão social de crianças carentes que habitam a comunidade denominada “Verde”, no bairro de Jaraguá, zona portuária de Maceió.

Concentrava-se na realização de oficinas, palestras, cursos, eventos e ações cujos objetivos priorizavam um processo gradual de aprendizagem capaz de fortalecer a construção da personalidade e do intelecto da criança estimulando a sensibilidade, o convívio coletivo, os direitos e deveres necessários a uma cidadania atuante.

Produção artística e interrelacionalidade

A prática produtiva prioriza processos interferenciais entre a obra de três artistas: Ddaniela Aguilar, Rogério Gomes e Vera Gamma. Possuidores de léxicos diferenciados estimulavam ações para que o produto proveniente do trabalho entre eles e as crianças tornassem-os partícipes do processo artístico e do resultado final.

Gramáticas urbanas relativas às condições psicossociais da Comunidade

Os conceitos referenciais adotados pelos artistas privilegiam o universo urbano com preocupações voltadas para o mundo imediatamente compreendido pelas crianças mediante uma perspectiva ambiental diariamente vivida por elas: a rua, a casa, a praça, a esquina, o botequim, a quitanda e mediante estes elementos produtores de arquétipos imediatos e futuros, seus sonhos, desejos e anseios.

É importante registrar o contato com a ambiência, inclusive o Verde, referência à “casa-bordel” que emprestou seu nome a comunidade, convivendo, até hoje, com as famílias que habitam a rua.

A arte torna-se, portanto, mais pelas perguntas do que pelas prováveis respostas um instrumento de experimentação social com capacidade de levar mundos diferentes a se intercorresponderem, bem como ajudar a construir alicerce mais fortes para o indivíduo.

Memorial Descritivo:

A Instalação compõe-se em 03 espaços:

1ª. Sala: A RUA

A rua é necessariamente uma passagem. É nela onde os acontecimentos passam a existir. Na Comunidade do  Verde o fator humano e o fator urbano especialmente, se congregam, formando uma única porção, um único elemento. Singularmente comum e ao seu modo democrático.

As calçadas estreitas ou inexistentes, a ausência de muros e a geminação das casas tornam estas últimas componentes de um mesmo organismo onde a comunicação é constante, é compartilhante e aberta disponível a todos, assegurando a quem na rua vive ou por ela passa, companheiro, confidente, conselheiro ou arauto dos atos, dos segredos, dos assuntos que constroem a alegria, a fome, as tristezas, o lazer, o prazer e o vício. Comum, as esperanças e desilusões, a força dos amores e a ilusão desesperada em busca de outros – “… as casas desse lugar lembrarão dos abraços, dos sonhos, do espelho azul no chão refletindo as constelações…” – onde possivelmente, estariam escritos os nomes dos viventes da Comunidade  do Verde, que formam uma grande e singular família.

O Galpão 72 fez parte deste universo.

2ª. Sala: A REDE

Exposição Essa rua e minha | Galpão 72
Exposição Essa rua e minha | Galpão 72
Exposição Essa rua e minha | Galpão 72
Exposição Essa rua e minha | Galpão 72
Exposição Essa rua e minha | Galpão 72
Exposição Essa rua e minha | Galpão 72

Reúne e une a rua aos artistas, a comunidade e aos objetivos do projeto Esta rua é Minha. Da mesma forma que significa a possibilidade de intercomunicação, a rede é um elemento que pode significar um acumulo do que foi executado, ensinado, discursado e acalentado em conseqüência dos sonhos dos conceitos e das ações levadas a efeito durante os 04 anos em que o Projeto atuou na Comunidade do  Verde. O estoque de esperança e de frustração também foi “fisgado” pelo arrastão que, de tão pesado, necessita de um maior número de participantes para tirá-lo das ondas de um mar revolto e pródigo de vida e, profundo antagonismo, guardião do lixo que nele é jogado pelo homem.

Está suspensa a questão para reflexão, muito acima de todos nós, porém ao alcance.

Obs. Na instalação REDE os trabalhos executados pelas crianças  durante o período de junho de 2008 a maio de 2009. Constará processos que iriam compor  as instalações: A casa – de dentro pra fora; imagens e sombras; a esquina- espaços compartilhados; a praça – monumento a percepção; a tenda – círculo de meninas; os travesseiros – guardiã permutante de sonhos e desejos.

3ª. Sala: OS ARTISTAS

A prática produtiva poderá priorizar processos interferenciais entre artistas possuidores de léxicos diferenciados estimulando um produto capaz de mostrar resultados conceituais cujos princípios estejam articulados a objetivos comuns , neste caso, o trabalho na Comunidade do  Verde – experiências acumuladas durante o processo do Projeto fazem-nos evidenciar que políticas sociais e educativas deverão ser práticas atribuídas a qualquer cidadão, cujos comportamentos relativos as mesmas demonstrem persistência e responsabilidade. Preocupa-nos o aperfeiçoamento de ações que estabeleçam um diálogo permanente entre as diferentes classes da sociedade onde os que mais podem decidir  privilegiem  atitudes  pertinentes às mudanças na ordem comum dos parâmetros sócio-cultural vigentes, sem abrir mão dos diferentes processos estéticos  e particulares , que , no final, traduzirão os resultados diferenciados.

A última parte desta exposição pretende articular estas questões, tornando um único e singular apelo, em uníssono.

Obra "Circulo de Meninas" |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)
Obra “Circulo de Meninas” |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)
Obra "Circulo de Meninas" |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)
Obra “Circulo de Meninas” |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)
Obra "Circulo de Meninas" |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)
Obra “Circulo de Meninas” |  Exposição Esta Rua É Minha Esta Rua É Nossa | Pinacoteca  (2009)

 

Brava Gente

*Por Ana Cristina Carvalho

Em um certo dia de sol alagoano três artistas reúnem-se no bairro de Jaraguá para mudarem o rumo de sua arte e de suas vidas. Intuitivamente trazem à luz o debate sobre a função e o significado social da arte. A partir daí dão continuidade ao desenvolvimento de suas produções artísticas, distintas e singulares, iniciando, no entanto, uma nova forma de fazer arte. Nova, se pensarmos que o isolamento e o individualismo do artista contemporâneo não contaminaram Ddaniela, Vera e Rogério.  A discussão da forma de sociedade em rede descrita pelo sociólogo Manuel Castells é sugerida aqui, na medida em que a transformação social está inserida na dinâmica do trabalho integrado, participativo e vivo desses artistas, reconhecendo e fortalecendo identidades, reconstruindo significados compartilhados, e preservando sua cultura local ameaçada. “(…) a identidade está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de significado em um período histórico caracterizado pela ampla, desestruturação das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais efêmeras. Cada vez mais as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam que são”.[1]  

O convite à reflexão sobre o mundo em que vivemos é uma prática comum aos artistas, de um modo geral, e é essa uma das formas de inclusão do artista na história da arte ao longo do tempo. No entanto, poucos são os artistas que fazem dessas reflexões transmutadas em quadrados, retângulos, curvas, volumes e as inúmeras possibilidades das formas, objetos de representação do Ser. Digo Ser referindo-me às possibilidades de desenvolvimento humano que podem estar contidas nessas representações de qualidade artística exemplar. E é justamente esse aspecto do trabalho dos artistas Ddaniela, Vera e Rogério que os identifica e os reconhece não só como artistas, mas os valoriza como protagonistas de uma mudança de paradigma quanto à natureza da arte e de sua utilização.

Produzir e preservar o patrimônio artístico vai além de sua conservação: ela é apenas o ponto de partida. A grande e essencial questão que é por quem, para que e para quem é produzida e conservada a herança artística.  E ainda o seu reconhecimento e valorização. Lembro-me de um ensaio do filósofo Eduardo Subirats, intitulado “La Resistência Estética” que tratando da questão do reconhecimento da produção artística diz que atualmente tem-se uma implacável unilateralidade, mesmo a despeito das refinadas curadorias e da superficialidade de hoje na discussão da legitimidade ou ilegitimidade das categorias lingüísticas da arte, consideradas somente como uma linguagem única e etiquetada, em detrimento da experiência profunda do Ser humano, tanto a individual como a coletiva. É nessa visão humanista que eu pessoalmente acredito e isso tem sido o centro das reflexões do trabalho que venho coordenando na preservação do Acervo Artístico Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo.   Daí vem o meu grande interesse e reconhecimento ao trabalho dos artistas alagoanos Ddaniela, Vera e Rogério, que sem dúvida partem dessas premissas para transformar papel, tecido, madeira, tela e metal, em arte da melhor qualidade. 

A Exposição na Pinacoteca de Maceió

Revestida de dois grandes significados, a exposição “Essa Rua é Nossa”, dos artistas Ddaniela Aguilar, Vera Gamma e Rogério Gomes – de novembro de 2009 a março de 2010- revela, primeiro, as verdadeiras faces do trabalho de inclusão social que os dedicados artistas vivenciaram no Atelier Galpão 72, por um período de quatro anos, com jovens e crianças da comunidade do Verde, em Jaraguá, Maceió. O segundo significado é apresentar  sua produção artística resultante das sucessivas experimentações de técnicas e linguagens, alicerçadas pelas ações de interação, que trouxe mudanças não só para a comunidade, mas também para os próprios artistas. 

Com sua arte, Ddaniela, Vera e Rogério subvertem padrões, criam oportunidades e transformam vidas, trazendo a contribuição do artista para a realidade. O sentido é pensar o teatro da tragédia humana e de seu potencial de metamorfoses. Trabalhando com materiais como: resíduos industriais, tinta, cola, madeira, papel, ferro, tecido e metal, fazem uma arte catalisadora da cultura humana. Trazem, além das reflexões estéticas, uma experiência pessoal que muda a visão de mundo e um sentido coletivo; pedaços que se transformam em objetos símbolo e devem ser considerados como relicários da condição humana, meios de transmissão de valores e de vida.  Painéis, instalações  e objetos que programam símbolos e com única idéias.  

Arte conceitual? Melhor considerá-la como arte total, onde importa mais o processo do que o objeto. Onde importa mais a ação do que o resultado. Nessa perspectiva é um novo entendimento da produção artística como vetor de desenvolvimento humano, como pesquisa, como atitude de enfrentamento, cuja dinâmica viva e orgânica leva à dimensão do construir, em vez de destruir. Contextos esses que são revelados por meio das obras reunidas nas três salas de exposição.  Na primeira sala, o caminho registra o contexto da cidade, da praça, da rua, da casa; abrigos, casulos, encontros e desencontros; a vida no Verde.

A segunda sala apresenta objetos produzidos pelos artistas e pela comunidade do Verde, e traz a metáfora da rede, que sintetiza o processo de trabalho conjunto, os sonhos e as esperanças de cada um.  Na terceira sala, outro núcleo de idéias evidencia as linguagens distintas de expressão de cada artista, que apesar da diversidade das formas e suportes,  demonstram uma profunda relação de forças e equilíbrio.  

Compondo-se de objetos e pinturas que fazem parte das séries do projeto Sonhos Mutantes, a instalação “A Tenda- Círculo de Meninas”, da artista Ddaniela Aguilar, transforma-se na representação estética dos sonhos, já que nas palavras da artista “ao travesseiro cabe a responsabilidade de apoiar a cabeça de quem deita para sonhar”. Os sonhos são, na verdade, a mola de engrenagem de construção de realidades, e a obra de DDaniela , resultado de uma pesquisa que se inicia em 2007, evoca a infinita possibilidade de “construir mundos”, coincidentemente nome do tema da Bienal de Veneza de 2009. Poderia, portanto, a artista ter participado com muita propriedade da edição de Veneza.

As três poéticas dos artistas Ddaniela Aguilar, Vera Gamma e Rogério Gomes são distintas e particulares. Têm, no entanto, inúmeros pontos de contato: em primeiro lugar, a visão humanista da própria arte, que os aproximou no programa de ações conjuntas do atelier do galpão 72; a visão artística que nasce de conceitos filosóficos comuns no que se refere à busca de equilíbrio entre corpo e espírito, plasticidade e dinamismo; uma arte que está sempre em processo de construção, usada como ferramenta transformadora; são artistas que expressam, por meio de formas distintas, o diálogo com a sua história e com a condição humana.

Além das ações dentro do ateliê Galpão 72 e de exposições como a da Pinacoteca, os artistas produzem, desta vez, um catálogo de imagens e idéias. Idéias de arte e de vida.  Idéias de profundo amor pelo ser humano, pela sua gente e pela sua terra. Uma verdadeira lição de preservação da identidade local, poderoso antídoto em tempos de globalização.

E termino este ensaio, citando um texto da carta a Pierre Matisse, em 1940, escrita pelo grande mestre francês, o artista Henri Matisse:

“Talvez em outro lugar eu estivesse melhor, mais livre, menos desanimado. Quando estava na outra fronteira e vi aquele desfile interminável de gente indo embora, não tive a menor intenção de partir. No entanto estava com meu passaporte no bolso com visto para o Brasil. Devia partir no dia 8 de junho via Modane, Gênova, para passar um mês no Rio de Janeiro. Foi quando vi as coisas tão destroçadas que pedi o reembolso da passagem. Eu me sentiria como se tivesse desertado. Se tudo o que tem algum valor foge da França, o que restará da França?” [i]

Brava gente.

[1] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, pp. 23, Editora Paz e Terra, 1999, São Paulo.
[i] MATISSE. Escritos e Reflexões sobre Arte”, Cosac Naify, 2007. São Paulo.

 

O plantio e a colheita da Rua Verde

*Por Roberto Amorim

Cada trabalho da última exposição de 2009 da Pinacoteca Universitária trazia a assinatura coletiva de 123 artistas: Daniela Aguilar, Vera Gama, Rogério Gomes e mais 120 crianças da Rua Verde, no histórico bairro portuário de Jaraguá.

Corretamente chamada de “Esta Rua é Nossa”, a mostra revela que todos saíram metamorfoseados da constante vivência durante quatro anos de vida do Galpão 72 – um espaço transformado em ateliê, galeria e, por que não dizer?, escola de arte.

As obras estão abarrotadas de significados que no primeiro olhar parecem privilegiar o estético, mas logo se percebe a carga social como combustível para o processo artístico de construção. Nesse sentido, os três artistas subverteram padrões, criaram oportunidades e transformaram vidas que estavam à margem da arte. Em tom de reflexão da experiência no antigo galpão de açúcar, Ddaniela Aguilar, Rogério Gomes e Vera Gamma relatam como conseguiram materializar sentimentos, situações, lembranças e anseios da comunidade da Rua Verde.

A exposição indica que vocês não saíram ilesos dos quatro anos de diálogo com os moradores da Rua Verde. O que mudou?

Ddaniela: É uma experiência que vai ficar para sempre. O atual conceito do meu trabalho foi estruturado dentro do Galpão 72. A proposta do trabalho com os sonhos surgiu a partir do projeto social, da interação com as crianças, as meninas, a rua e a comunidade. É algo para se guardar no coração e que, tenho certeza, continuará a se materializar em muitas obras.

Rogério: Uma experiência inigualável. Quando se coloca as mãos na massa, não há como fugir das transformações. E a arte é sempre o resultado das vivências do artista. No Galpão 72 aconteceu um aprofundamento das questões urbanas. Eu já trabalhava com as questões urbanas que se referem às contingências estéticas e que, de alguma forma, seguem em direção à consciência ética. Houve uma mudança. Hoje estou mais preocupado com a consciência ética do que com a estética. Isto é, estou interessado em descobrir como se comportam os cidadãos dentro das cidades; como se comporta aquele grupo que detém a força e aquele marcado pela fraqueza; quais os códigos da relação entre eles.

Vera: “… as ruas desse lugar conhecem bem as noites longas, as noites pálidas… as casas desse lugar se lembrarão do nosso abraço, da sombra insólita, espelho azul no chão… e lá no céu… (Samuel Rosa e Chico Amaral – grupo Skank). O ser humano jamais sai de uma experiência envolvendo emoção incólume dos efeitos que ela promove. O fator mais sério é a permanência desses resultados dentro de nós e sua transformação ao longo dos anos, influenciando o comportamento de cada um. Essa troca mútua torna-se irreversível.

É possível afirmar que as obras em exposição na Pinacoteca trazem a assinatura coletiva das 120 crianças da Rua Verde?

Ddaniela: As obras refletem exatamente a convivência com elas. Eu trabalhei com os sonhos de 12 meninas. A partir dos relatos, busquei doze arquétipos femininos para representar os sentimentos norteadores, indo desde a deusa suméria que abraça a sombra, Inanna, até Lilith, que simboliza o poder, a sexualidade; passando por Hécate, adeusa grega dos três caminhos, das encruzilhadas. Então, fiz 120 travesseiros que representam esse universo de sonhos oníricos, de amor, desejos.

E a cadeira entre os travesseiros?

Quando abrimos o espaço pela primeira vez só tinha a cadeira num canto. Pensei em reformar, mas ela ficou fazendo parte de uma instalação. Quando pensamos na exposição, a primeira peça que veio à minha mente foi a cadeira. Ela estava intacta, do que jeito que encontramos. Era a memória física do Galpão 72.

O que acontece com ela depois da exposição?

Ddaniela: Coloquei numa fogueira e queimei. Não quis guardá-la como símbolo, mas como memória. Pensei em até filmar esse processo, mas preferi deixar a cadeira guardada em fotografias da exposição. Ela já tinha cumprido o dever dela. Era hora de ficar em um compartimento dentro da nossa memória, como os sonhos.

Rogério: Quando a Daniela resolveu queimar a cadeira fez o ritual sozinha, isolada. Ela diz ter sido uma espécie de exorcismo, mas não foi. Acredito que ela resolveu engolir o que restava da experiência do Galpão 72 para fazer parte dela. E nada mais justo do que fazer isso sozinha. Atitude de muita coragem, não sei se seria capaz. Com a queima da cadeira, ela entregou ao universo tudo que tinha sido feito naquele espaço. A gente sente como a força deste estado de espírito se projeta no trabalho dela.

As obras da exposição se transformaram numa síntese de sentimentos, situações e lembranças do processo criativo entre vocês e as crianças?

Ddaniela: O conteúdo das obras é delas. Tudo foi criado a partir dos sonhos delas. Claro que mescla com as minhas emoções, minhas experiências artísticas, mas tudo nasceu das atividades que desenvolvia com elas dentro da tenda no Galpão 72. Eu e as 12 meninas nos reuníamos em círculo e, enquanto pintavam, elas cantavam, contavam história, falavam sobre a vida. Ali era o local de expor conflitos, descobertas, desejos, anseios, problemas. Toda essa vitalidade foi o principal combustível para a produção das obras. Sem as 12 meninas, essas obras nunca existiriam.

Rogério: Com certeza! As obras refletem, profundamente, o cotidiano e as emoções das crianças. Para criar o monumento verde dedicado a elas, fui pescar os assuntos mais recorrentes que as crianças falavam, escreviam e desenhavam durante os nossos encontros, como saúde, educação, sexo, namoro e amizade. Na torre central coloquei as palavras-chave que elas discutiam com mais fervor. Construí a praça da exposição sem perder o olhar dentro da minha própria obra. Eu estava olhando para o meu umbigo enquanto artista, mas também colocando para fora o que tinha observado em relação ao comportamento das crianças.

O Galpão 72 nasceu em 2005 como um grande ateliê-galeria. Como surgiu o projeto social?

Ddaniela: A ideia inicial era ter um lugar com muito espaço para trabalhar e mostrar nossas peças, como também realizar palestras, seminários e exposições de outras artistas. Durante a reforma percebemos que não estávamos simplesmente numa rua do bairro de Jaraguá, iríamos fazer parte de uma comunidade. Arquiteta, a Vera Gamma decidiu que seria necessário pintar as casas da Rua Verde e interagir com os moradores. Contamos com a ajuda de vários parceiros e realizamos a empreitada. No dia da inauguração foi que percebemos a quantidade de crianças e decidimos trazê-las para dentro do galpão e trabalhar com atividades de arte-educação e, mais uma vez contamos com a ajuda de vários voluntários e instituições. Nós começamos a fazer parte da comunidade de modo muito natural. O galpão se transformou no quintal das crianças e no local onde os pais podiam fazer cursos profissionalizantes e conversar com psicólogos e pedagogos. Tudo aconteceu espontaneamente até o final.

Rogério: Inicialmente, o galpão era um espaço onde poderia trabalhar e abrigar meus trabalhos de grandes dimensões. Mas as crianças chegaram e tudo mudou. Percebemos a necessidade de fazer um trabalho com elas, tanto que chegamos a construir um projeto pedagógico para nortear nossas ações. Mas o projeto começou a exigir demais e não tínhamos, sozinhos, como levar adiante. Batemos em determinadas portas e fomos ouvidos. Muitos ainda pensavam que o projeto social era o capricho de três artistas em busca de marketing pessoal. Não sabiam que estávamos colocando ali o que de melhor tínhamos naquele instante. O que nos interessava era trabalhar as questões que as crianças nos traziam, a forma como elas rebatiam as nossas. Era como se estivessem questionando o status quo da sociedade.

Nos trabalhos das crianças é possível enxergar desejos secretos, lembranças de situações marcantes e vontade de mudança. Como conseguiram tanta intimidade?

Ddaniela: Quando faço parte de uma comunidade, preciso deixá-la melhor. Não poderia entrar no galpão e fechar os olhos para as pessoas da Rua Verde. No início ficaram nos observando com desconfiança, com o tempo perceberam que nossas ações eram de coração, sem nenhum interesse de retorno. A partir daí um grande laço de confiança foi construído entre nós, artistas, e não só as crianças, mas os familiares e os amigos dos moradores da Rua Verde.

Rogério: Uma conquista diária, de observação do dia a dia. Nas oficinas discutíamos abertamente determinado número de assuntos corriqueiros do cotidiano das crianças e da comunidade. Dessa forma, paulatinamente, fomos conquistando a confiança, ficou mais fácil por e repor questões que nos tínhamos certeza que precisavam ser discutidas.

Vera: quando iniciamos as oficinas, nossa intimidade com as crianças mostrava-se solidificada. Tínhamos participado do amadurecimento intelectual e físico delas. Assim, se a quantidade de participantes limitar-se-ia a 12 alunos, não estabeleci condições aos itens referentes a sexo e idade. Prevaleceu a vontade daqueles que queriam fazer parte do grupo. Confesso ter sido um grande desafio. Paulatinamente, foram aparecendo típicos conflitos de gerações, formando grupos distintos dentro de um único núcleo e transparecendo o cotidiano da comunidade.

A exposição revela que o Galpão 72 transformou vidas na Rua Verde?

Ddaniela: A gente percebe marcas visíveis da transformação de muitas crianças, que hoje já são adolescentes. Estão mais centradas. Nós contribuímos bastante porque elas conseguiam extravasar, por meio da arte, aqueles momentos mais críticos da vida. O nosso interesse não era formar artistas, mas cidadãos. Ter novas percepções do mundo, e a arte tem esse poder – transformar os sentimentos de forma sutil e resolver questões.

Rogério: Não tenho a menor dúvida e temos recebido excelentes notícias nesse sentido. Crianças e adolescentes que melhoraram até 100 % no rendimento escolar. Meninos que mudaram o comportamento. Interesses que surgiram porque começaram a perceber o mundo diferente. Eu tenho certeza que grande número de crianças e adultos que hoje continuam habitando a Rua Verde não serão jamais as mesmas pessoas depois da vivência com a arte.

As obras também trazem marcas do fechamento do Galpão 72?

Rogério: A pessoa que mais sofreu as consequências do fechamento do galpão, mesmo que ela queira minimizar, chama-se Ddaniela Aguilar. O trabalhado dela já se preocupava profundamente com a questão do homem dentro da sociedade. Tanto que ela teve a coragem de trabalhar com as meninas que estavam se transformando em mulher, o que não é fácil numa comunidade como aquela, onde a questão da sexualidade é muito forte. Então, a Ddaniela viveu intensamente o Galpão 72, muitas vezes chegava às 7 horas da manhã e saía às 10 horas da noite.

Ddaniela: Depois da dor do fechamento, chegamos à conclusão que tudo foi na medida certa. A nossa experiência dentro da arte-educação era exatamente naquela medida. Do mesmo jeito que chegamos, saímos. Entendemos que a vida tem ciclos. Foi ótimo, mas foi aquele momento, aquele processo.

Existe a possibilidade da união dos três em novos projetos?

Ddaniela: Nós formamos uma amizade extremamente deliciosa. Nós sentimos que o trabalho dos três juntos é produtivo e enriquecedor. Cada um tem projetos específicos, mas nada que nos impeça de nos reunir de novo. O conceito do Galpão 72 está firme e não existe linha do tempo, ele pode se materializar a qualquer momento.

Rogério: As questões do Galpão 72 e da comunidade nos aproximaram tanto, que, com certeza, vai render muitos frutos coletivos.

Vera: Claro que sim. Ficaram resultados importantíssimos dessa experiência. Um deles, o melhor, consiste no fortalecimento da amizade entre nós. Eu, Rogério e Dani sabemos lidar mais com nossas diferenças e semelhanças. Isto requer humildade, respeito, acordância e confiabilidade.

* Roberto Amorim – É jornalista, com especialização em jornalismo cultural e professor universitário